Inovação: arriscar ou evitar, eis a questão?

Sim, vamos falar de inovação, esse vortex sobre o qual já tudo se disse e menos se fez. O objetido do Corporate Code for Reputation Excellence é desenvolver, para cada pilar, estratégias acionáveis, por isso convidámos líderes de vários setores de atividade a identificar os principais obstáculos e desafios que as organizações enfrentam na hora de dar o salto de fé.

Falamos de organizações, mas o início de tudo está um passo atrás: a inovação parte sempre de um impulso individual, de um líder capaz de gerar uma burning platform e concretizar a sua ideia, antes de procurar que outros o sigam. Estes empreendedores têm em comum a certeza de que inovação não se faz sem dois ingredientes chave: o risco e o erro.

Liderança como motor da inovação

Todos os movimentos de rutura ou transformação começam, em potência, com investidas falhadas, investimentos sem retorno, mudança de estratégia, de equipas e um sem fim de variáveis, às quais se juntam a pressão interna e externa, antes que se consigam dar garantia de sucesso ou – para sermos mais precisos – sem que que se possam dar garantias de sucesso.

Qual o papel das lideranças antes do momento “eureca”?
  • Promover um ambiente seguro para arriscar, errar e reajustar a rota, sem que estes exercícios sejam considerados falhanços pessoais.
  • Ter a capacidade de orientar as pessoas, aceitar críticas e não desencorajar a mudança.
  • Assegurar que a ideia pioneira e individual é depois percebida e incorporada pelas equipas, com vista à sua implementação e acompanhamento. Ser, por um lado, a força unificadora e, por outro, a voz que desafia a dar o passo seguinte.
  • Estender esta lógica de cooperação a parceiros e outras empresas: chegar primeiro nem sempre é sinónimo de chegar sozinho.

Gestão conservadora de influência cultural

Em Portugal, o erro é mal acolhido pelas empresas, pelos líderes e pela opinião pública em geral. Esta aversão à falha faz com que as apostas sejam conservadoras e de baixo risco, erguendo uma barreira à inovação que é, não raras vezes, difícil de transpor.

Sabendo que a esperança média de vida das empresas está a reduzir drasticamente, é preciso revisitar – ou abandonar? – os antigos mantras da gestão: low risk, manage what exists, get the bonus, get promoted.

O que falta aos tradicionais modelos de gestão?
  • Inovar nos modelos de negócio e sistemas de incentivos, por forma a que acompanhem os ciclos de inovação e não os ciclos fiscais ou burocráticos. Os decisores tendem a fazer apostas conservadoras porque assumir riscos pode significar perda compensações a curto prazo e, mais uma vez, enfrentar a peer pressure associada à falha. Por esta razão, nas empresas tradicionais a inovação começa muitas vezes com um jogo viciado: é preciso perceber que tipo de mudança não compromete o bónus, por forma a garantir que se dá o primeiro passo – de preferência com sucesso – para que a verdadeira inovação entre gradualmente na agenda.
  • Compreender as oportunidades de inovação dentro da organização, que podem não estar necessariamente ligadas a produtos e serviços. Inovar nos processos, na organização das equipas, na gestão da cadeia de valor ou na comunicação configuram caminhos igualmente promissores.
  • Promover um trabalho multidisciplinar, integrando diferentes áreas da organização, por oposição a uma lógica de silos.
  • Entender o erro como parte do processo e não como um falhanço pessoal, emocional.
  • Analisar criticamente as falhas – próprias e de outras empresas – por forma a retomar o processo de inovação com essas aprendizagens e explorando estratégias ou modelos de implementação diferentes.
  • Capacidade para gerir um portfólio de modelos de negócio em diferentes níveis de maturidade: nem todos vão ter lucro imediato e liderar o mercado, nem todos vão demorar a afirmar-se. Um equilíbrio sensível, mas lógico: se, por um lado, são as empresas mais antigas que financiam a inovação do futuro, também é verdade que serão estas as primeiras a fechar portas, considerando que a esperança média de vida das organizações continua a decrescer.
  • Encarar a comunicação como um amplificador de realidade e não uma oportunidade para construir uma narrativa de inovação. Por outras palavras, é fundamental comunicar inovação se ela efetivamente acontecer. Camuflar os mesmos processos de sempre com uma linguagem mais fresca é uma manobra arriscada que pode representar sérios riscos reputacionais.

Recursos humanos: sobredimensionamento e qualificações desajustadas

Nas empresas com modelos de gestão tradicionais, particularmente as de maior dimensão, é frequente encontrar equipas sobredimensionadas e com competências desajustadas, não só às necessidades presentes do negócio, como a futuros movimentos de inovação. Este ponto de partida dificulta duplamente a missão de reconfigurar os quadros, já que é difícil ver aprovadas novas contratações e, porventura, ainda mais difícil operar uma mudança de mentalidades e requalificação transversais.

De que forma pode a gestão de pessoas alavancar a inovação?
  • Recrutar e reter talento especializado, com match funcional entre as suas qualificações e as funções que vai desempenhar. O que se verifica, por vezes, em exercícios de mobilidade interna é que a falta de experiência em determinada área condiciona a capacidade de inovação, já que tendencialmente se replicam comportamentos anteriores.
  • No caso das equipas sólidas, estáveis e com competências adequadas, há que passar de um fixed mindset para um growth mindset, desafiando as pessoas a pensar e fazer diferente, diminuir a resistência à mudança e à máxima “sempre fizemos assim”.
  • Implementar uma lógica de life long learning que mantenha o desafio da inovação na agenda, quer individual quer coletivamente.

As empresas estão preparadas para antecipar necessidades?

É inegável que estamos perante uma mudança de paradigma na relação entre consumidores, empresas e reguladores. No passado, a sociedade pedia, os reguladores balizavam e as empresas adaptavam-se. Seguiu-se uma fase de transição em que o público pedia, os setores adaptavam-se e os reguladores/governos ajustavam as políticas. Atualmente, espera-se das empresas que tenham a capacidade de antecipar o que o público vai pedir e que se adaptam, para que a sociedade valide e os reguladores respondam.

Esta mudança de paradigma é uma realidade para todas as empresas?
  • O novo paradigma enquadra o cenário ideal, que nem sempre se verifica, quer por incapacidade preditiva das organizações, quer pela resposta tardia o inexistente dos governos.
  • As empresas líder são as que conseguem antecipar as necessidades dos consumidores e construir uma reputação suficientemente sólida que lhe permita impactar públicos mais jovens, tipicamente recetivos à inovação e a novas formas de consumir conteúdo.
  • Nos modelos de gestão mais conservadores, a relação difícil com a inovação dita uma acomodação aos mercados já adquiridos e uma resistência às tendências, quer na resposta às necessidades quer à forma de lá chegar.

Só inova quem chega primeiro?

A inovação está invariavelmente associada a ideias pioneiras que, à sua escala, mudam o mundo, mas na realidade das organizações a inovação nem sempre tem impacto exterior imediato. Como já vimos, este movimento começa de dentro para fora e pode não se materializar diretamente no lançamento de um novo produto ou serviço.

Como se pode, então, preparar o caminho da inovação quando se está longe da liderança?
  • Quando não se chega primeiro, é importante chegar de forma consistente. Ser um smart follower permite evitar erros já cometidos por outros, construir uma estrutura sólida e, a médio e longo prazo, sair da zona de conforto para fazer diferente.
  • Construir estas fundações exige tempo e um compromisso de futuro. É preciso testar ao limite os sistemas/soluções desenvolvidos antes de os tornar públicos. Nestes contextos de ceticismo face à inovação e de recursos limitados, ser rápido nem sempre permite ser bom e cabe às empresas escolher onde pretendem investir o seu tempo: na preparação ou na correção. Decisiva é também a capacidade de gerir pressões internas e externas a fim de entregar a melhor solução possível, sendo certo que um lançamento falhado impacta toda a operação, nomeadamente os serviços de suporte, e pode infligir pesados danos à reputação da empresa.
  • Para além do tempo de desenvolvimento, é também decisivo preparar o mercado para receber a inovação, particularmente em operações que têm por base o tratamento de dados sensíveis ou áreas estruturais, como a banca ou a saúde.
  • Partindo destes exemplos, a segurança deve ser entendida como um verificador da capacidade de inovação e não como um inibidor. Para que tal se verifique, esta área deve ser envolvida o mais a montante possível nos projetos, particularmente num contexto de trabalho multidisciplinar.

Inovar no setor público

O setor público é historicamente associado a problemas de agilidade ou obsolescência de ferramentas e processos – um cenário aparentemente pouco favorável à inovação.

Que fatores condicionam a inovação nos organismos públicos?
  • Desajuste crítico entre as competências dos quadros e as funções que desempenham – uma realidade que se encontra também nalgumas empresas de maior dimensão ou mais conservadoras.
  • Sobredimensionamento é uma barreira à contratação de recursos especializados.
  • Grande dispersão de tarefas e responsabilidades dentro das mesmas equipas (por exemplo, nas Câmaras Municipais).
  • Dificuldade em motivar as equipas a adotar um growth mindset, considerando o desajuste funcional e o peso dos processos.
  • Aposta na open innovation pode ser a chave do setor público, com uma visão colaborativa e aberta ao exterior que permita inovar para além das limitações do sistema. Outro caminho possível e complementar passa por desafiar o setor privado a incorporar conhecimento e a fazer provas de conceito no terreno, explorando novas formas de olhar para os processos e para as pessoas.

A inovação beneficia ou prejudica a reputação?

Iniciámos este exercício para perceber de que forma pode a inovação contribuir para uma boa reputação, mas terminamos com a pergunta inversa: pode a inovação comprometer a reputação? A resposta é um taxativo sim, visto que todos os processos de mudança pressupõem incerteza, erros e apostas falhadas, antes do sucesso (ou em vez dele) – cenários que, se concretizados, podem afetar irremediavelmente a perceção dos vários stakeholders.

Conscientes deste risco – que não estão dispostas a correr – as empresas seguem habitualmente um de três caminhos, em defesa da sua reputação:

  • Abdicar da inovação e manter a fórmula nos mercados já adquiridos;
  • Erguer uma fortaleza processual e burocrática, cuja garantia de segurança permita incorporar a inovação no negócio principal;
  • Criar empresas totalmente independentes para dar corpo aos projetos disruptivos sem comprometer a perceção dos consumidores em relação à casa mãe;

Em qualquer um dos casos, as empresas deixam claro que a defesa da sua reputação é uma prioridade inegociável, em função da qual se tomam todas as decisões. Nos primeiro e segundo casos, esta visão protecionista pode inibir ou mesmo comprometer a inovação, já que a mudança não se concretiza sem que estejam cumpridos todos os requisitos jurídicos, de compliance e avaliação de risco: se não se conhecer o suficiente sobre o mercado e os clientes, a solução não avança. Importa, neste cenário, perceber se existe um gap entre a forma como a empresa se vê e a sua reputação real: sobrevalorizar a perceção que se tem junto dos sktaholders pode impedir a inovação sem que existam, na realidade, tais expetativas ou capital de confiança relativo à empresa. Se a reputação for objetivamente avaliada em baixa, fazer diferente pode ser uma oportunidade.

Por outro lado, as empresas recém-lançadas e com processos mais ágeis têm habitualmente em comum a disponibilidade para falhar, postura que lhes permite colocar rapidamente no mercado soluções disruptivas – exemplo disso são as fintech.

Inovação: incorporar ou autonomizar?

Também neste ponto encontramos várias escolas de pensamento. De um lado, os que defendem que é possível incorporar inovação numa estrutura consolidada, desde que seja suficientemente robusta para ultrapassar as tais barreiras de proteção à reputação. Um atalho possível é implementar uma estratégia de open innovation, recorrendo a know how externo para desenvolver e implementar soluções às quais os recursos internos não poderiam dar resposta. Esta abordagem é muito útil a empresas tradicionais ou organismos públicos que enfrentam, tipicamente, limitações na atração de talento ou mudança de processos.

No extremo oposto, defende-se que não é possível implementar inovação radical em organizações existentes, desde logo pelo significado do conceito. Inovar pressupõe criar uma coisa nova e servir um público não atendido, ao passo que transformar significa que uma coisa existente passa a ser outra coisa. Sabendo que criar a partir da transformação é um exercício difícil e, não raras vezes, ingrato, muitos preferem assumir que são coisas diferentes e a endereçar em paralelo.

É este o racional que justifica a decisão de autonomizar a inovação, criando empresas e equipas dedicadas que permitam testar e lançar soluções disruptivas, com uma insígnia diferente. Externalizar assegura, nestes casos, não só a proteção da reputação como a agilidade do processo. Com ou sem sucesso, os resultados não afetarão a empresa mãe e essa associação pode ser trabalhada numa fase de maior estabilidade, se fizer sentido para o negócio.

Uma proteção igualmente importante quando o ímpeto da burning platform esmorece e a burocracia ou modelos de trabalho mais conservadores ocupam o espaço que seria destinado ao desafio permanente, a uma lógica de continuidade na inovação.

Como se mede inovação?

Embora não existam muitas respostas taxativas – ou consensuais – a esta pergunta, é fundamental que se criem rotinas de monitorização, como acontece em relação aos resultados financeiros, mas avaliando os indicadores que são mais relevantes para a inovação. Medir é particularmente importante para perceber atempadamente se a investida vai na direção certa, num contexto em que pouco se conhece sobre o mercado e o comportamento do consumidor em relação a uma solução disruptiva.

Como materializar esta medição?
  • Princípio do baixo risco, aplicado tipicamente ao desempenho financeiro, pode comprometer os resultados da inovação e contaminar o sistema de medição.
  • Importa considerar indicadores próprios, como o ritmo de aprendizagem das equipas.
  • Os resultados, convertidos em incentivos, podem ser um indicador desde que a framework acompanhe a dinâmica própria das áreas de inovação.
Em suma, quais são os principais obstáculos à inovação?
  • Líderes e modelos de gestão conservadores, apenas recetivos a soluções de baixo risco.
  • Sistemas de incentivos fechados que não acompanham os ciclos de inovação.
  • Equipas sobredimensionadas, com competências desajustadas e/ou com um fixed mindset.
  • Aversão ao erro.
  • Burocratização de processos com vista à proteção da reputação.