- Apenas 11,4% dos gestores esperam uma execução ética e transparente do PRR.
- 67,5% dos líderes portugueses têm uma perceção generalizada de que a corrupção é um fenómeno habitual nas empresas que operam no país, apesar de 65% dos inquiridos desconhecer casos concretos de corrupção na sua organização.
- Classe política (69,9%) e instituições desportivas (64,2%) são, para os gestores, os principais impulsionadores da corrupção.
- Favorecimento de grupos de interesse é a principal consequência de corrupção para 80% dos gestores.
O barómetro Corrupção e Transparência em Portugal, desenvolvido pelo Reputation Circle – The Reputation Platform em conjunto com a Kepler, procurou apurar o impacto do fenómeno na economia e competitividade das empresas que operam em Portugal. Uma análise que contou com a participação de 123 lideranças de topo e primeiras linhas das principais empresas com atividade no país.
Comecemos pelo impacto: 79,7% dos inquiridos aponta o favorecimento de grupos de interesse como causa e consequência, simultaneamente, já que promove uma distribuição desequilibrada da riqueza, com significativas perdas de competitividade.
Esta preocupação agudiza-se se pensarmos que Portugal está prestes a receber o maior pacote de ajuda financeira alguma vez concedido pela Comissão Europeia aos Estados-membros – uma notícia que foi acolhida pelas empresas com semelhantes doses de expectativa e incerteza.
A memória de execuções anteriores ajuda a explicar que apenas 11,4% dos líderes esperem uma intervenção ética, imparcial e transparente do Governo na atribuição destes apoios. De acordo com os líderes, as causas destes alegados desvios assentam, essencialmente, na falta de fiscalização (82,1%) e na burocratização excessiva (66,7%) – que, para alguns dos inquiridos, é propositada já que permite, por exemplo, o favorecimento de grupos de interesse. Imputações importantes que unem os líderes empresariais em torno de uma conclusão pouco otimista: a ineficiência e opacidade destes processos afastam o capital das reais necessidades do país e atrasam a tão necessária recuperação económica.
Na outra face da moeda, segundo dados reportados pela Tutela a 31 de dezembro de 2021, o país atingiu, no último trimestre do ano, uma taxa de execução de 71% – o segundo melhor resultado de sempre no aproveitamento de fundos europeus, de acordo com Nelson Souza, Ministro do Planeamento.
Se o país ocupa lugares cimeiros na aplicação dos pacotes de financiamento e as empresas afirmam não sentir o impacto na economia real, que destino está objetivamente a ser dado a estes fundos?
Se o país ocupa lugares cimeiros na aplicação dos pacotes de financiamento e as empresas afirmam não sentir o impacto na economia real, que destino está objetivamente a ser dado a estes fundos?
Mesmo quando os números são animadores, à imagem dos que referimos acima, a divulgação e clarificação dos resultados tendem a esbarrar numa comunicação insuficiente e pouco assertiva. Um obstáculo muito presente ao longo deste estudo, já que é frequente os inquiridos assumirem o seu desconhecimento em relação aos temas em análise.
Corrupção nas empresas: o que falta fazer?
Mais esclarecedoras são as respostas que nos permitem caracterizar o fenómeno no país: para 46,3% dos inquiridos a corrupção é frequente nas empresas, essencialmente sob a forma de tráfico de influências. Contudo, é fora da esfera corporativa que se encontram os seus principais impulsionadores – poder político (69,9%) e instituições desportivas (64,2%). Estes resultados explicam-se, em parte, por uma perceção generalizada de impunidade, associada a alguns setores e respetivos dirigentes.
No que se refere à realidade corporativa, os gestores realçam os progressos na luta pela transparência, particularmente nas organizações que representam. Por outras palavras, as empresas portuguesas tendem a assumir publicamente o seu compromisso no combate à corrupção (59,35%), sustentado na criação de departamentos dedicados à gestão e monitorização das matérias ligadas ao Compliance (56,9%), assim como na criação de programas orientadores tais como códigos de conduta (73,2%) ou de whistleblowing (36,59%). Importa sublinhar que estes resultados, apesar de animadores, dizem respeito a empresas de maior dimensão e não espelham, necessariamente, a realidade do tecido empresarial português. Este, como sabemos, é dominado por Pequenas e Médias Empresas.
Apesar de conhecerem os canais de denúncia disponíveis, os colaboradores tendem a não reportar situações fraudulentas (46,4%), motivados em grande medida por um sentimento de insegurança (própria) e de impunidade (dos prevaricadores). Os dados revelam, ainda, um paradoxo assinalável: apesar da corrupção ser considerada um fenómeno frequente – nas empresas e no país – 65% dos inquiridos revela desconhecer casos concretos de corrupção na sua organização. Para este resultado pode contribuir a inexistência de uma definição clara de corrupção, abrindo espaço a interpretações à medida. Sem este ponto de partida, a repetição de práticas instituídas podem estar a fugir ao crivo por serem consideradas ou racionalizadas/ interiorizadas como sendo legítimas.
Fiéis a esta linha de raciocínio, o desconhecimento é um argumento recorrente nas questões que procuram apurar a abordagem das empresas ao fenómeno: 43,5% desconhece se a corrupção é corretamente endereçada na empresa, 37,40% desconhece se existe uma comunicação regular de resultados, 26,8% não está a par da existência de auditorias e 41,5% refere não saber se a política anticorrupção da empresa enquadra especificamente contribuições políticas. Um dado alarmante, se recordarmos que a classe política está, de acordo com os inquiridos, frequentemente implicada no fenómeno.
De um modo geral, este grau de desconhecimento parece contradizer a convicção de que é necessário um sistema firme de fiscalização e responsabilização, por exemplo, num contexto de atribuição de fundos europeus. Estará este desejo condenado a perder assertividade dentro de portas?
De sublinhar, também, que as lideranças aqui inquiridas revelam uma consciência aguda das causas e consequências do fenómeno, para as empresas e para a economia do país. Por outro lado, quando questionados sobre os benefícios associados a uma operação transparente, os gestores destacam a boa reputação das personalidades e instituições de conduta exemplar.
Este investimento na transparência e, por consequência, na reputação, materializa-se num retorno muito concreto, também ele assinalado pelos inquiridos: reforço de confiança e vantagem competitiva.
Numa altura em que as organizações são cada vez mais convocadas a assumir uma gestão responsável, os resultados deste estudo relembram-nos que a transparência é um poderoso catalisador na construção de relações sólidas e na criação de valor para os vários grupos de interesse.