O risco reputacional não pode ser só compliance, para “inglês ver” nos relatórios anuais ou para ter o aval dos reguladores. Tem de estar plasmado em tudo o que a empresa faz e estar embutido na sua cultura. Uma cultura orientada para a reputação, vivida por todos os seus colaboradores. O caso do Credit Suisse é exemplo disso mesmo, um banco que cai pela sua reputação frágil, minado pelo sentimento que mais afeta a banca: a confiança.
Era, até à semana passada, um dos maiores e mais bem-sucedidos bancos suíços. Sólido, com rácios de capital e liquidez acima da média da banca europeia (14,1% de CET1 que compara com rácios de 12 a 13% de grande parte dos bancos europeus), o Credit Suisse era um banco com 167 anos de história, desde que o industrial suíço Alfred Escher o fundou em 1856. Mas como se comprovou, os rácios de capital e liquidez não são tudo. O Credit Suisse cai pela sua reputação frágil, minado pelo sentimento que mais afeta a banca: a confiança.
Presente em 50 países e com mais de 50 mil funcionários, o banco passou pelos pingos da chuva— sem necessitar de ajudas de estado— na crise de 2008 (como também aconteceu com o Banco Espírito Santo em Portugal). E esse até podia ter sido um sinal… sem ajudas de estado o escrutínio seria menor, como se veio a comprovar no caso do BES. Nesses anos até fez reformas no sentido de reforçar as áreas de gestão de fortunas, diminuindo a área de banca de investimento e investimentos em capital de risco, no sentido de diminuir o risco.
Ao contrário do UBS, mais conservador, o perfil de risco do Credit Suisse foi sempre muito alto. Uma espécie de Banco Privado Português gigante. Também na gestão das pessoas, o banco promovia o que de pior tem o capitalismo: com bónus de performance muito agressivos, a maior parte dos gestores séniores do banco não olhavam a meios (literalmente fechavam os olhos) para ganhar ainda mais em bónus, nem que isso pudesse comprometer as regras internas de compliance do banco. Entre 2010 e 2020 as crises foram estalando, umas atrás das outras, iniciando um processo de degradação progressiva da sua reputação.
Este caso prova que os gestores têm de se preocupar muito mais com a reputação das organizações. O risco reputacional não pode ser só compliance, para “inglês ver” nos relatórios anuais ou para ter o aval dos reguladores. Tem de estar plasmado em tudo o que a empresa faz e estar embutido na sua cultura. Uma cultura orientada para a reputação, vivida por todos os seus colaboradores.
Desde o final das crises financeiras de 2008 e 2011, uma sucessão de escândalos e casos foram comprometendo a reputação do Credit Suisse a nível global. Em 2014 o banco é acusado pelas autoridades norte americanas de ajudar mais de 22 mil clientes a esconder 10 mil milhões de dólares do IRS – Internal Revenue Service. Centenas de notícias publicadas no que foi um dos grandes escândalos da banca nos pós 2008. O banco reconheceu e pagou um setlement de 2,6 mil milhões de dólares. Nenhum dos 1800 gestores de conta envolvidos foi responsabilizado, apesar dos gestores de topo admitirem que os seus funcionários estavam a violar as políticas internas do banco propositadamente.
Em 2018 o banco vê-se envolvido num outro escândalo relacionado com Eurobonds Moçambicanas, no que ficou conhecido pelo Tuna-Bond Scandal. Três altos funcionários do banco e o Ministro das Finanças de Moçambique foram presos por desviar mais de 200 milhões de dólares de empréstimos com garantias de estado para empresas moçambicanas (uma das quais a Ematum) destinados a pagar subornos e comissões. Estes 200 milhões correspondiam a 10% de um total de 2 mil milhões de dólares de obrigações com garantias de estado subscritas em grande parte por clientes do Credit Suisse. Como resultado, as Eurobonds Moçambicanas, que tinham tido performances record até 2017, caíram a pique em 2018.
Em 2019, mais um escândalo envolvendo espionagem: Spygate Affair, que fez as manchetes da imprensa europeia. As autoridades suíças acusam o Credit Suisse de contratar detetives privados para espiar gestores de fortunas do banco, entre os quais Iqbal Khan, um dos mais poderosos quadros superiores do banco, quando estes decidem sair para o rival UBS. Os detetives procuravam provas de que o gestor andava a aliciar clientes do Credit Suisse para o UBS.
Mais recentemente, em 2022, o banco vê-se envolvido em mais dois casos bicudos: o colapso do hedge fund Archegos e a queda dos fundos Greensill. Ambos provocaram prejuízos de milhares de milhões de francos suíços ao Credit Suisse. O colapso do Archegos, fundado por Bill Hwang, que já tinha sido acusado de insider trading em 2012, teve impactos superiores a 4,7 mil milhões de francos nas contas do Credit Suisse. Os dois casos mais recentes levaram à demissão do presidente do Conselho de Administração. Mais uma vez, o banco não levou em conta os aspetos reputacionais dos seus parceiros de negócios.
Na sequência da queda dos bancos regionais norte-americanos, com suspeitas de que as contas do Credit Suisse não refletissem ainda todas as perdas associadas aos casos, com acusações públicas de encobrimento de clientes de reputação duvidosa, incluindo barões de droga sul americanos, casos de lavagem de dinheiro de tráfico de armas, entre outras suspeitas, a reputação do banco não resistiu. Mesmo o principal accionista, o Banco Nacional da Arábia Saudita foi implacável: nem mais um tostão para o Credit Suisse.
Questionado pela Bloomberg se estaria disponível a acorrer a calls de liquidez, o chairman do Saudi National Bank, Ammar Abdul Al Khudairy, foi perentório: “absolutamente não. Por várias razões, para além da mais simples que são os estatutos e regulamentos”. Estas declarações caíram que nem uma bomba no mercado e as acções caíram a pique, obrigando à intervenção musculada das autoridades suíças, que num fim de semana “obrigaram” o rival UBS a assumir o banco, disponibilizando linhas de liquidez astronómicas (100 mil milhões de francos) e garantindo prejuízos até mais de 10 mil milhões, para evitar um colapso que seria sem dúvida sistémico na banca europeia e mundial.
Com a reputação e confiança definitivamente comprometida, o risco de corrida aos depósitos era real, mesmo com linhas de liquidez do banco central que alcançavam os 100 mil milhões de francos suíços.
Medir a perceção que os Stakeholders têm das empresas e instituições é, por isso, fundamental nos dias de hoje. Os gestores têm de saber afinar as suas políticas e práticas internas em função do que são as percepções públicas e isso só se faz medindo a reputação tecnicamente, em diversas dimensões e atributos. Têm também de alinhar o propósito das organizações com os seus colaboradores, através de inquéritos de cultura internos. É mais uma ferramenta essencial para definir estratégias de posicionamento que possam derivar em estratégias de marketing e comunicação.
Este caso é mais um que deverá ser estudado nas escolas de gestão. Como é que, estando tudo aparentemente bem, afinal está tudo mal. Mesmo que o compliance e as regras prudenciais estejam em conformidade, uma cultura agressiva e excessivamente gananciosa, colocou em causa o ativo mais importante que um banco pode ter: a sua reputação.
POR SALVADOR DA CUNHA, CEO DA LIFT E FUNDADOR DO REPUTATION CIRCLE