Antecipar, prevenir… antecipar, prevenir

A preservação de uma boa reputação não pode ser alcançada de forma meramente reativa, depois de a fonte secar ou de o cântaro se partir

Será que as diferenças entre gestão de crise e gestão de reputação são já percetíveis para as organizações? Para Garry Honey, fundador da CHIRON Risk, uma agência especializada em risco reputacional, é hoje claro que “a grande diferença ainda não foi percebida pela maior parte das empresas”

Mas qual é, afinal, essa grande diferença? Garry Honey sustenta que ela é flagrante: enquanto a gestão de uma boa reputação exige uma estratégia de antecipação, um comportamento preventivo e proativo, um esforço constante, diário; a gestão de crise assenta numa abordagem muito mais reativa, para tapar buracos e tentar limitar, à posteriori, os danos de um evento negativo.  

Embora quer a gestão de crise, quer a gestão de reputação, sigam as seculares máximas populares de que “mais vale prevenir do que remediar”, ou de que “um homem prevenido vale por dois”, a verdade é que na gestão de crise, trabalhada há muito mais tempo nas empresas, se vive um posicionamento muito mais expectante: é certo que preparamos um manual de crise, que criamos um comité especializado, que até treinamos algumas simulações ao longo do ano, mas depois ficamos à espera que o céu nos caia em cima para reagir. Ora, na gestão da reputação é a ação constante junto dos stakeholders, aos mais diversos níveis, que permite gerar as melhores perceções e assim criar valor acrescido para a organização. São por isso realidades com timings e comportamentos muito diversos que muitos ainda teimam em confundir.

Como explica o fundador da CHIRON Risk, “a gestão de reputação é equivalente à instalação de aspersores de água num edifício, e a gestão de crise é a criação de condições que garantam um bom acesso aos bombeiros em caso de incêndio”. 

Importa então interiorizar estas diferenças, para melhor responder às características específicas de cada tipo de gestão.

No que à reputação diz respeito, o seu valor intangível pode ser definido, como se disse, pelas perceções dos diferentes públicos/parceiros de cada organização. E são as diferentes leituras, as possíveis contradições entre os diferentes grupos de stakeholders, que devem constituir objeto de estudo e motivo de alerta. 

Duas opções

Para Garry Honey, o risco reputacional existe quando uma empresa não consegue cumprir/satisfazer as necessidades de grupos de stakeholders específicos. Desta forma, o risco encaixa-se “no intervalo entre as expectativas dos públicos e a performance das empresas”. Daí a importância crucial de uma gestão antecipada e preventiva, com o especial foco no estudo e na compreensão das necessidades de cada público. Perceber o que influencia e move cada audiência é o que facilita o diagnóstico da atividade empresarial. Daí também que a palavra de ordem ou a fórmula para o sucesso seja “antecipar, prevenir… antecipar, prevenir”.

Feita esta análise, surgem duas opções em cima da mesa: ou é possível ajustar a performance às necessidades detectadas, ou importa saber reduzir as expectativas para um nível que evite que a empresa entre em incumprimento.

Compreende-se assim que o processo de construção da reputação não pode ser concretizado do dia para a noite. Pelo contrário, ele é o resultado de uma extensa sequência de eventos e atividades desenvolvida pela empresa durante um período necessariamente longo. Sempre com o cuidado de não dar um passo maior do que a perna, sob pena de os riscos reputacionais ultrapassarem as vantagens óbvias de uma boa reputação. Dito de outra forma e recorrendo a mais uma expressão popular, estamos perante uma faca de dois gumes…

O calcanhar de Aquiles   

A acentuar a complexidade do processo de construção da reputação temos os rápidos avanços tecnológicos, com especial ênfase nas fulgurantes mudanças também verificadas na área da comunicação. A verdade é que o panorama da gestão do risco reputacional teve de se adaptar ao mundo novo da comunicação digital, seja pela rapidez com que a informação passou a ser disseminada, seja porque as pessoas são facilmente instrumentalizadas e impressionáveis, como diz Garry Honey.

Aliás, de acordo com um estudo realizado por Deborah Pretty, fundadora da Pentland Analytics, em parceria com a AON, “a utilização generalizada das redes sociais veio aumentar o impacto dos incidentes reputacionais e dilatar, de forma significativa, o risco reputacional de qualquer empresa”, tornando-se claro que incidentes como os ciberataques têm um impacto direto no valor acionista das empresas.

Com a mudança de paradigma, o gap percecional existente está agora mais evidente do que nunca, determinando que as empresas se dividam em “vencedoras” e “vencidas” consoante a sua capacidade de resposta aos desafios colocados. Com a certeza de que o facto de pertencer a um ou outro grupo está altamente correlacionado com a preparação de cada empresa para antecipar e prevenir um episódio de crise. E só as mais preparadas podem sair vencedoras…

Reputation Risk in the Cyber Age – The Impact on Shareholder Value (Aon & Pentland Analytics), 2018

Assim, como sublinha Deborah Pretty, “é cada vez mais importante que as estratégias de gestão reputacional incluam no seu âmbito o risco cibernético e a exposição às tecnologias emergentes”.   

Como não deixar a fonte secar?

Monitorizar perceções através das redes sociais, ouvir os stakeholders de forma sistemática, analisar as suas expectativas e elaborar planos de contingência são alguns dos principais conselhos práticos dados aos quadros executivos pelos especialistas na área. Não podendo fugir do risco que está sempre ao virar da esquina, há que desenvolver uma preparação eficaz para o defrontar e tentar sair da crise mais forte, transformando o perigo numa oportunidade para a criação de valor.

Daí que Deborah Pretty aconselhe os decisores a manterem- se vigilantes, flexíveis e de mente aberta em relação às tecnologias emergentes e a tudo o que possa fazer perigar a reputação das organizações.

Porque, em boa verdade, uma reputação forte assenta, principalmente, na gestão de expectativas e perceções de todos os stakeholders ao longo do tempo, gestão que deve privilegiar sempre uma abordagem prognóstica e preventiva.

Estando comprovado que há uma relação direta entre uma boa preparação e a redução dos efeitos de uma eventual crise, torna-se fundamental antecipar e prevenir. Dito de outra forma: a preservação de uma boa reputação não pode ser alcançada de forma meramente reativa, depois de a fonte secar ou de o cântaro se partir.