A Boeing está a atravessar uma crise de segurança e confiança depois de dois dos seus aviões da gama 737 Max terem caído, em outubro de 2018 e março de 2019, e custado 346 vidas, no total. Em efeito dominó, a gigante aeronáutica tem sofrido o forte impacto destas duas tragédias nas suas vendas, nos seus custos, mas, principalmente, na sua reputação.
A prova de fogo começou quando o menino de ouro da Boeing, o 737 Max – cujas vendas representam 37% dos 19.6 mil milhões de dólares que a empresa de aviação fez, em lucro, no ano passado – esteve envolvido em dois acidentes mortais. Primeiro num voo da Ethiopian Airlines, pouco depois num voo da Lion Air, o 737 Max começou a torcer narizes e franzir sobrolhos na indústria aeronáutica. Um a um, reguladores na China, União Europeia, Índia, Austrália, Singapura e até Canadá imobilizaram a aeronave e dúzias de companhias aéreas suspenderam as viagens planeadas. Muitas das encomendas foram canceladas, a imprensa britânica apelidou o 737 Max de “jato da morte” e os investidores receosos fizeram cair, em mais de 20 mil milhões de dólares, o valor de mercado da Boeing.
Simultaneamente, o CEO da empresa, Dennis Muilenburg, e a Federal Aviation Administration insistiam que a aeronave era segura, num uníssono que acabou por levantar suspeitas sobre a imparcialidade da FAA. Pouco tempo depois, seguindo o exemplo do resto do mundo, o Presidente Trump anunciou a imobilização dos aviões.
Se um cenário de crise já representa um enorme risco financeiro, a sua má gestão pode ter repercussões imensuráveis e irreparáveis na reputação da empresa. A verdade é que uma crise cria um vácuo e, quanto mais uma empresa espera para comunicar, mais facilmente se preenche o vazio com críticas e especulações.
O polémico caso da Boeing é um mau exemplo de uma liderança silenciosa, passiva e defensiva, sugerindo que a organização não tem a situação sob controlo nem desenhou um plano de ação. A falta de transparência e clareza nas escassas comunicações da comissão executiva com os diversos stakeholders, numa situação em que se perderam centenas de vidas, não só é vista com maus olhos, como alimenta a perceção de que a Boeing é movida pelo lucro e não pela preocupação com as pessoas.
A turbulência podia ter sido minimizada se a comissão executiva tivesse seguido o exemplo da Johnson & Johnson que, face à série de envenenamentos por paracetamol, em 1982, se tornou um modelo de gestão de crise. A primeira reação do então CEO James E. Burke às sete mortes foi declarar prontamente que se tratava de um problema de saúde pública, retirando todas as caixas de paracetamol das prateleiras (contrariando as indicações da FDA), desenhando novas embalagens invioláveis e entregando-as num período de 6 semanas. A atitude proativa e eficaz da Johnson & Johnson, quando havia vidas em risco, apaziguou os stakeholders e conteve os danos reputacionais.
Por oposição, a Boeing está em queda-livre, com um prejuízo de muitos milhões e um saldo reputacional a caminhar a passos largos para o precipício. Os passageiros estão desconfiados, os pilotos preocupados, os reguladores sob escrutínio por terem aprovado os aviões em primeira instância e as companhias aéreas, que contavam com o modelo para os próximos meses, acumulam perdas. A Airbus, o único e direto concorrente da Boeing, apesar de um grande atraso nas encomendas, já se tornou alternativa para algumas transportadoras.
Sendo certo que só será possível avaliar o impacto da gestão do silêncio da Boeing a prazo, sabemos, para já, que o prognóstico é reservado e o céu prevê chuva para a empresa. Fica a dúvida se vai sobreviver ou se, quando resolver agir, será tarde demais.