Corrida ao talento: remuneração ou propósito?
Muitas empresas têm o objetivo de ser mais vocais sobre os seus produtos e serviços. Mas quando se trata de comunicar ativamente sobre o ambiente de trabalho, ainda têm um longo caminho a percorrer.
Sendo a captação e retenção de talento um dos principais desafios das empresas, é importante desenvolver a reputação corporativa de modo a torná-las atrativas para os melhores profissionais, incluindo os candidatos às lideranças de topo. A capacidade de uma empresa se tornar um Employer of Choice ocupa já o 4º lugar do ranking do Reputation Institute sobre as macrotendências para a reputação, a nível global, e Portugal não é exceção.
Sara Duque, Gestora de Recursos Humanos há pouco mais de um ano, viu nos escritórios escoceses da Honeywell a sua primeira grande oportunidade no mundo corporativo. Recém-saída da universidade, e depois de uma curta passagem pela BOSE, Sara não hesitou quando escolheu esta multinacional para trabalhar.
“Nesta primeira fase da minha carreira, uma das coisas que mais valorizo é a oportunidade de crescer com a organização”, conta Sara, “e nisso incluo as oportunidades de training que a empresa me possa dar ou patrocinar, bem como todos os momentos de coaching.” No dia em que falou com o Rep.Circle, Sara estava a trabalhar remotamente. Há uns meses esteve em Nova Iorque, para a semana estará em Londres. “A perspetiva de poder viajar e trabalhar em diferentes sítios é um bónus. É uma empresa global e isso é estimulante para mim e para a maioria dos jovens à procura do primeiro emprego”.
Os jovens à procura do primeiro emprego, esses, são cada vez mais. A geração da gestora de recursos humanos já ultrapassa os baby-boomers e a geração X enquanto quota da força de trabalho em alguns países. Ainda que a matriz de um empregador de excelência se mantenha, é evidente a mudança de prioridades consoante a idade e a fase da carreira.
Para além das oportunidades de desenvolvimento, há outro indicador a que os millennials recorrem para medir o pulso a uma empresa. “Tem de haver alguma identificação com a organização. Só vou querer trabalhar para empresas que admiro e respeito, não só pelo que fazem no dia-a-dia, mas também pelos produtos que comercializam e pelo que representam”, sublinha Sara.
Um estudo conduzido pela KPMG demonstra claramente que esta geração atribui mais importância ao impacto na sociedade e ao trabalho significativo do que aos ganhos financeiros.
“A expetativa e a motivação geral daquilo que os jovens pretendem alcançar nas suas carreiras mudaram: estão menos relacionadas com a remuneração e são muito mais vivenciais. Preocupam-se com o propósito do seu empregador”, diz Simon Nolan, Senior Partner e Head of Global Consumer Practice da Page Executive.
E Sara acrescenta: “é importante que haja coerência entre o que a empresa diz que é e aquilo que faz”.
Uma outra análise, da consultora PwC, corrobora esta ideia, pois salienta que um sentido de propósito claro é um fator psicológico essencial, explicando ainda que a capacidade de progredir rapidamente para uma função ao nível da gestão é mais importante para os millennials do que os salários competitivos (52% em oposição aos 44%).
Exemplo disto é Afonso Cruzeiro, Brand Business Leader na L’Óreal, em Londres. Há 9 anos na organização, o conimbricense reconhece-lhe muitos dos critérios que mais valoriza num empregador. “Por isso é que me tenho mantido aqui.”
Tal como Sara refere, na opinião de Afonso “só faz sentido abraçar um desafio se tiver a certeza que permite um desenvolvimento pessoal e profissional”.
“Tem de ser uma empresa que não se aproveita só das minhas forças e conhecimento, mas que também me vai permitir aprender e expandir horizontes.”
Para a receita do empregador de excelência, Afonso não abdica de certos ingredientes. Na sua opinião, a inovação, a agilidade, a diversidade e o propósito timbram o certificado de um Employer of Choice.
O talento segue o propósito
“A verdade é que começa a ser cada vez mais importante para mim saber o que é que a empresa está a fazer para a comunidade, para o ambiente, quais são as preocupações sociais, se isso está na agenda e quão frequentemente é discutido”, afirma Afonso.
Tal como explica o estudo da EY “Winning with Purpose”, os benefícios do propósito subjacente à captação e retenção de talento são cada vez mais visíveis para os dirigentes. “As organizações que definem e agem de acordo com o seu propósito veem resultados significativos e mensuráveis. Conquistam e retêm os melhores colaboradores (1,4x mais empenhados, 1,7x mais satisfeitos, 3x mais suscetíveis de permanecer).”
Afinal, um negócio com um propósito genuíno gera crescimento e retenção, promovendo uma cultura onde todos os stakeholders têm um sentimento de pertença.
Aos olhos de Afonso, ser um “elefante” no mundo de negócios também já não é suficiente para atrair o melhor talento. A ideia de estabilidade deixou de ser tão aliciante como era há umas décadas. Agora quem marca pontos são as empresas que constantemente se reinventam, oferecendo produtos e serviços relevantes e adaptados ao mercado e aos seus consumidores. A inovação e a rapidez de adaptação ao mercado sobrepõem-se à robustez financeira. E, para inovar, há que ser ágil. “Essa agilidade tem de permitir que a voz de todos os colaboradores seja ouvida, que todas as funções trabalhem de forma colaborativa e que exijam um constante desafio ao pensamento vigente”, explica Afonso.
“Uma empresa só consegue as melhores ideias, e os melhores produtos e serviços só surgem, quando há uma mescla de perfis e de identidades que consigam refletir o que os consumidores querem.”
Esta diversidade da experiência e do background também não é indiferente aos candidatos à gestão de topo.
Há dois anos, Vera Pinto Pereira deixou as responsabilidades ibéricas que tinha na FOX para se tornar administradora executiva da EDP.
Nesse momento, tanto a empresa como Vera saíram da sua zona de conforto. A administradora vê-se como a prova viva desse exemplo: “acabaram por ir buscar um elemento para o conselho de administração que não só é uma mulher, como também veio de fora do setor. Não é formada em engenharia e traz uma diversidade que vai para além do género”.
Existe um número crescente de empresas em Portugal para quem a importância da diversidade, no contexto das suas opções e estratégia de Recursos Humanos, tem vindo a aumentar.
Todavia, ainda são raros os casos onde as políticas para aumentar a inclusão e a pluralidade são vistas pelas equipas de gestão de topo como uma prioridade.
Promover a diversidade como ferramenta de captação de talento
A diversidade deixou de ser politicamente correta para ser encarada como uma vantagem competitiva. Com efeito, as empresas que nela apostam são tão mais éticas como eficazes no mercado. Oferecer um ambiente diverso é uma prática a seguir, já que é uma qualidade atrativa e valorizada pelo talento.
“A capacidade da empresa entender que o mundo está a mudar é extraordinariamente importante. Aquilo que atrai e fideliza os colaboradores evoluiu e o que lhe vai permitir, enquanto negócio, dar resposta a novos desafios é a capacidade de conseguir assegurar a diversidade de competências e backgrounds”, destaca a administradora do gigante energético. “O facto de a EDP perceber isto e de endereçar este tema ativamente é um ponto muito positivo que a coloca na charneira daquilo que são as empresas mais sofisticadas do nosso setor”.
Mas os fatores-chave para o sucesso, na ótica de Vera Pinto Pereira, não se extinguem na diversidade. Para a administradora, a dimensão do desafio, a visão de liderança, as pessoas e a cultura criam o quadrado que rege as suas escolhas.
“O desafio específico que a empresa atravessa nesse momento e o objetivo que definiu enquanto negócio devem ser das primeiras variáveis a ter em conta quando se elege um sítio para trabalhar. Temos, obviamente, de nos identificar com o projeto e ter a certeza de que é algo que nos apetece fazer todos os dias quando acordamos de manhã. Tem de nos fazer o coração acelerar.”
A ligação emocional à declaração da missão empresarial por parte de um futuro colaborador é crucial na perspetiva de atração de talento. Por isso, comunicar uma história convincente tanto a potenciais como a atuais colaboradores cria vantagens competitivas, promovendo uma mensagem pessoalmente relevante.
Gary James, diretor de operações do PageGroup, afirma: “Se a organização tiver uma cultura forte, contará com uma equipa de indivíduos melhores. Sentir-se-ão encorajados e inspirados a querer trabalhar e alcançar mais nesse ambiente.”
Tão importante como a compatibilidade com a missão da empresa é a identificação com a liderança. A administradora da EDP explica: “Mudei algumas vezes de emprego, trabalhei com lideranças muito diferentes e uma das coisas que aprendi é que é de suma importância que nós, enquanto profissionais, nos identifiquemos com a pessoa que nos lidera. A equipa deve ser uma extensão do líder.”
De facto, no jogo de espelhos que é o mundo corporativo, uma equipa é puro reflexo da gestão de um líder. De acordo com o Reputation Institute, colocar o CEO como a personificação do que a empresa representa pode elevar o estatuto de Employer of Choice e impulsionar a perceção de ser um empregador com comportamento responsável.
Uma organização baseada numa missão atrativa e com uma forte liderança amplia-se na cultura corporativa e nas pessoas que a constituem. Para Vera Pinto Pereira, “o tipo de pessoas que integram uma equipa e que se sentem motivados pelo líder e pela sua visão, energizados e comprometidos com o projeto, são pessoas com quem nos vamos identificar.” Acrescenta ainda que “é fundamental reconhecer qualidade técnica e humana nas pessoas que nos rodeiam”. Na hora de escolher o sítio onde vamos passar a maior parte do nosso dia, as pessoas que nele trabalham e a cultura que ali se respira têm um peso substancial.
Acima de tudo, “é importante que haja métricas” que sustentem as nossas escolhas, lembra Afonso Cruzeiro. “Acho que é muito importante existir alguém que possa, de uma forma transversal e imparcial, avaliar a reputação das empresas, acho que é uma ferramenta muito interessante e que eu iria consultar, definitivamente, antes de ir trabalhar para outra empresa.”
A reputação importa
O Employer RepTrak, uma das ferramentas de medição do Reputation Institute, associa a reputação do empregador aos resultados do negócio, avaliando 5 dimensões: Desenvolvimento Profissional, Remuneração, Ambiente de Trabalho, Liderança de Mercado e ainda Produtos e Responsabilidade Corporativa da organização.
Há um sentimento transversal de que todas as dimensões são importantes, não sendo possível priorizar uma em prol de outra. Como refere Vera Pinto Pereira, “tem de haver um equilíbrio, não há nenhuma que seja menos importante que todas as outras.”
Vera, contudo, é perentória quando diz que “há coisas que não são negociáveis”. “É impensável trabalhar para uma empresa que não tenha elevados padrões éticos.” Ainda assim, se tivesse de escolher, a dimensão decisiva seria o desenvolvimento profissional, o desafio pessoal e intelectual.
Para Afonso, as dimensões mudam de peso consoante a fase da carreira. Dos 20 aos 30, dava prioridade ao desenvolvimento profissional. “Nos 30, ainda me foco muito nesta área. Mas, facilmente, quando olho para a dimensão de Ambiente de Trabalho, percebo que é sem dúvida uma área que começa a ser cada vez mais importante para mim. Não sei até que ponto o ambiente de trabalho não vai ultrapassar o desenvolvimento profissional, na minha cadeia de prioridades.”
Já a liderança de mercado, na opinião de Afonso, tem cada vez menos relevância. “O facto de trabalhar numa marca pequena não me assusta, muito pelo contrário. É um desafio diferente, que pede abordagens diferentes. É preciso reinventarmo-nos, trabalhar com budgets reduzidos, inventar novos modelos. E tem de se ser mais criativo. Portanto, é uma porta que não fecho para o meu futuro. Vejo-me a trabalhar numa empresa mais pequena, onde sei que me vou desenvolver profissionalmente. Não me preocupa não ser líder de mercado.”
A millennial Sara, recém-chegada ao mercado de trabalho, refere, por ordem de importância, a remuneração, seguida do desenvolvimento profissional, da liderança de mercado e, por fim, os produtos e responsabilidade corporativa. “No fundo, toda a gente trabalha por incentivos. A natureza desses incentivos é que evoluiu ao longo dos anos”, finaliza.
Entre o que o talento procura e aquilo que encontra, as diferenças não devem ser muitas. Para estes três profissionais, reconhecer na atual empresa os traços que mais valorizam é essencial para se manterem numa organização.
Na corrida aos melhores colaboradores, está, afinal, a assistir-se a uma mudança de paradigma. Não raras vezes, é o recrutador quem tem de convencer o profissional de que a sua organização é um bom local para trabalhar.
Porque para sobreviver a um mercado de trabalho exigente e competitivo e catapultar a sua reputação, as empresas têm de esclarecer qual é o seu maior objetivo para além dos produtos, serviços e performance financeira. Ter em mente que não importa apenas fazer um bom trabalho, mas que é preciso comunicá-lo todos os dias.
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