O desafio é criar e manter ambientes de trabalho saudáveis para pessoas que sabemos não se sentirem bem
Como vamos de solidão em Portugal? De que forma esta “pandemia” do novo século, que leva uma significativa percentagem de pessoas a sentirem-se sozinhas involuntariamente, impacta a vida da comunidade e, especialmente, a produtividade das empresas?
Foi para tentar reconhecer, perceber e enfrentar estas questões ligadas ao crescente sentimento de solidão das pessoas já estudado noutros países, que o Reputation Circle promoveu, em parceria com o consultor e escritor brasileiro Celso Grecco, um levantamento/estudo sobre a situação do fenómeno em Portugal. *
Sem mais demoras, diga-se que o inquérito preparado por especialistas e realizado junto dos portugueses permitiu concluir que as “dores” da solidão já eram bem sentidas antes da pandemia do Covid-19, e que se terão agravado ou ganho novas cambiantes devido ao isolamento forçado subsequente. Dito de outra forma: o fenómeno da solidão, que encerra sentimentos múltiplos como a exclusão, a inadequação, o abandono ou a insegurança, já é em Portugal um claro caso de Saúde Pública a que as autoridades sanitárias terão de procurar dar resposta; mas é, também, um desafio importante para as empresas – que são feitas de pessoas –, às quais cabe criar ambientes saudáveis para pessoas que não estão bem, única forma de poderem constituir equipas motivadas e ganhadoras.
Se a Depressão, tida por muitos como a doença do século, ou a Síndrome do Burnout já ganharam o estatuto de doenças reconhecidas pela OMS, a Solidão tem tudo para ser equiparada, pois muitas vezes a dor que causa não é menor.
Basta verificar que países como a Inglaterra ou o Japão já criaram Ministérios da Solidão para percebermos a real dimensão do problema, fruto de uma sociedade desenfreadamente competitiva e tecnológica, onde o foco está na superação do desempenho de cada um e de uma forma cada vez mais autónoma, mais solitária.
E não se pense que a solidão é um problema especialmente sentido pelos mais idosos, como empiricamente poderíamos ser levados a supor. Nada disso. Esses até se afirmam como os mais conformados perante o isolamento, às vezes mais parecido com abandono, a que são sujeitos.
Jovens sofrem mais
Se atentarmos na média do sentimento apurado entre as pessoas que responderam a este inquérito do Reputation Circle, verificamos que em relação a alguns fatores geradores de solidão é precisamente a faixa etária mais jovem, entre os 16 e os 25 anos, que se mostra mais sofredora. É o caso, por exemplo, das respostas dadas perante o fator “abandono”. Em média seis em cada dez pessoas sentem-se infelizes ao fazerem coisas sozinhas, mas esse sentimento sobe para sete em dez junto dos mais jovens.
É o que acontece também quando os portugueses inquiridos são colocados perante o fator “inadequação”: metade dizem sentir que ninguém os entende; quatro em cada dez declaram que não sentem pertencer aos ambientes nos quais convivem; um terço tem dificuldade em falar com outras pessoas à sua volta e em fazer amizades. É o sentimento de viver a descompasso, fora do lugar, de estar sempre aquém das expectativas. Também aqui, a faixa dos mais jovens apresentou resultados ligeiramente piores.
Quanto ao fator “irrelevância”, por exemplo, um terço dos inquiridos declarou sentir-se excluído por outras pessoas, manifestando a perceção de que as relações podem ser meramente utilitárias. O que torna indiferentes o lugar e a pessoa com quem se está. Novamente, o sentimento na faixa 16-25 anos sobe para 41%.
Como podem as empresas responder?
Não é assim possível ignorar que há uma imensidão de pessoas que não estão bem, que não se sentem bem consigo próprias nem com os outros. Que são vítimas de uma enorme solidão. Em Portugal e em todos os outros países que realizaram estudos semelhantes. São pessoas que todos os dias trabalham nas empresas. Que viram a sua situação agravada pelos efeitos da pandemia e a quem dizem que têm de se adaptar ao “novo normal”, seja lá o que isso for. Pessoas que, no caso dos portugueses inquiridos, se revelam maioritariamente dominadas por sentimentos como ansiedade, incerteza e tristeza.
Como podem as empresas responder ao desafio de apresentarem ambientes saudáveis, capazes de recuperarem pessoas que não estão bem?
Na busca de respostas, o trabalho coordenado pelo Reputation Circle avança com a apresentação de dois casos emblemáticos: o Projeto Aristóteles, realizado pela Google School of Leaders, que investigou os fatores determinantes para o sucesso e a alta performance das equipas; e a recente implantação da Diretoria de Saúde Mental da AMBEV, uma cervejeira do Brasil.
O Projeto Aristóteles permitiu concluir a característica mais importante da dinâmica de trabalho das equipas de alta performance é a “segurança psicológica”, entendida como a garantia de liberdade incentivada por líderes mais vulneráveis para que cada pessoa da equipa seja ela própria sem medo, capaz de assumir riscos e de discordar, permitindo que toda a inteligência e capacidade criativa existentes sejam plenamente usadas. Como dizia Aristóteles, “o todo é maior do que o somatório das partes”.
Quanto ao projeto da AMBEV, ele assenta na perceção de que é necessário olhar para o ser humano como um todo, dando espaço e conhecimento aos colaboradores das empresas para lidarem com a instabilidade emocional do mundo corporativo atual. É preciso dar informação às pessoas para que percebam o que é passar por situações de solidão, ansiedade, depressão ou burnout. E saberem que lidar com isso é tão importante para a saúde como tratar de uma gripe ou de uma perna partida.
Novos tempos, novas soluções
Todos os estudos apontam, portanto, para a necessidade de olharmos com crescente foco para a saúde mental no contexto do mundo corporativo de hoje.
Os sinais de alarme em relação à solidão e à depressão já existiam, mais silenciosos, mas a pandemia veio tornar tudo mais claro e alertar para a gravidade da situação.
Por isso, em jeito de conclusão, o trabalho coordenado pelo Reputation Circle estima que estejamos a testemunhar a chegada de um outro tempo, no qual as empresas precisam de olhar para os seus colaboradores a partir de uma nova perspetiva. Onde a área de Recursos Humanos invista numa garantia de mais humanismo nas relações internas, permitindo mais espaço para o erro e mais segurança psicológica para a vulnerabilidade.
Será uma nova era protagonizada pelas empresas geridas por quem assuma como fundamental reconhecer e apoiar os seus colaboradores nas suas vulnerabilidades, porque nada substituirá nunca o ser humano na tarefa de melhorar os processos e as próprias empresas.
Para conhecer todos os resultados, leia a versão completa do relatório O impacto da solidão na produtividade das empresas.
*Os trabalhos de campo deste estudo foram realizados entre 03 e 05 de março de 2021 e estiveram a cargo da Youzz, empresa do universo do Grupo Lift. Foram inquiridas com 2.273 pessoas em todo o País.
Sobre Celso Grecco
Celso Grecco trabalha há mais de 20 anos exclusivamente com temas como Desenvolvimento Social e Propósito, já tendo ajudado centenas de organizações sociais e empresas a desenvolverem programas e projetos que transformaram vidas.
Atuou em países como Inglaterra, Portugal, África do Sul, Estados Unidos e Jamaica. Em 2008 recebeu o prémio Vision Awards em Berlim entregue pelo Prémio Nobel da Paz, Professor Muhammad Yunus, e em dezembro do mesmo ano foi homenageado na sede da ONU em Nova York.
Citado no livro The Power of Unreasonable People, teve também o perfil retratado nas revistas Newsweek (Estados Unidos) e Der Spiegel (Alemanha). Em 2015 esteve em Pequim, China, homenageado como um dos 5 finalistas do Prémio Olga Alexeeva, outorgado pela Alliance Magazine da Inglaterra, que reconhece pessoas com contribuições relevantes ao setor social de países em desenvolvimento.
É autor do livro A Decisão De Que O Mundo Precisa, lançado em julho de 2019 pela Editora Gente no Brasil e da minissérie Engenharia da Vida, lançada em 2021 e na qual aborda a construção de propósito e projeto de vida.