Mudança e adaptação parecem ser as palavras de ordem neste regresso cauteloso e ainda incerto à normalidade. Novos paradigmas exigem novas e diferentes atitudes, em particular no que se refere à transição de uma lógica de trabalho presencial para um modelo híbrido, de teletrabalho ou de trabalho remoto. As vantagens são inúmeras, como inúmeros são os desafios pelo que importa preparar as empresas – que são feitas de pessoas – para tirar partido das primeiras e superar os segundos.
Emerge um primeiro risco iminente: a deterioração das relações. O espírito de equipa e entreajuda, o contato pessoal e a espontaneidade vivem – ou viviam – da presença, da pausa para o café, do encontro no elevador, da visita rápida e informal para desbloquear um problema. São esses contactos informais que disseminam os objetivos comuns, o propósito, a vivência da missão e dos valores da organização. Daqui se conclui que restabelecer e conservar estas relações é um desafio individual e coletivo, uma prova de fogo no que se refere a decisões de gestão e a liderança.
Num primeiro impacto, a ausência física provisória até pode ser encarada como uma experiência positiva, quem sabe um período de Erasmus para os colaboradores, o grito do Ipiranga ou a velha memória de deixar a cama por fazer sem a mãe notar. Mas quando a ausência se torna a norma, está em causa uma mudança de paradigma que pressupõe novas formas de relação, de interação, de envolvimento e especialmente de acompanhamento e comunicação na empresa.
Neste cenário, a tentadora perspetiva romântica perde força porque é de conexões que se fala. Não se trata de enviar mais kits motivacionais ou mais t-shirts estampadas para casa dos colaboradores, trata-se de fazer melhor, de pensar melhor, de atuar diferente e garantir que essa realização é partilhada. Problemas diferentes, exigem soluções diferentes e esta não é altura de dar mais, mas sim de dar diferente.
Num exemplo que me é próximo, no espaço de um ano e meio, um amigo de 27 anos mudou pela terceira vez de emprego e não saiu pelo ambiente de trabalho – até gostava da equipa, embora não conhecesse ninguém presencialmente. Nunca esteve fisicamente na atual empresa e, na anterior, tão pouco teve oportunidade de perceber se o chefe era mais alto ou mais baixo do que ele. Com o curso terminado há pouco mais de um ano, não sabe o que é viver numa empresa, o que é a cultura corporativa, como se lida com os conflitos normais deste contexto ou para que servem acessórios tão simples como o cartão de acesso ao escritório. Não sabe o que é liderança, a persecução do bem comum e a importância de viver o espírito da organização. Não conseguiu sequer sentir o orgulho de trabalhar numa das empresas chamadas de big5, porque nunca viveu essa dimensão.
Prende-o o gosto pelas tarefas que desempenha ou pelas videochamadas em que participa, mas que rápida e facilmente são ultrapassados por uma proposta com mais vencimento. E até o peso da transição se esbate: mudar de emprego é mudar o link do zoom ou do teams, é ficar no mesmo sofá, mas virtualmente ligado a uma nova realidade – neste caso, uma equipa de cinco pessoas e mais 30% de ordenado.
Serve este exemplo para ilustrar o desprendimento a que se assiste, fruto dos métodos repentinos, inesperados e não preparados que as empresas utilizaram para “responder ao novo normal”. Encheram-se casas – os novos escritórios – com maçãs, pequenos-almoços e merchandising, como as mães enchem as mochilas dos filhos quando vão para um inter-rail. Tudo se fez considerando que, o que levamos atrás das costas é mais importante do que o que vamos ter pela frente. O canivete suíço, guardado no fundo da mochila, dá-me a perceção de que consigo abrir uma lata de atum, mas não me alimenta nem me garante que lhe poderei dar uso.
É esse alimento que passa a ser o grande desafio para as empresas e a resposta passa, não por mais canivetes suíços, mas por novas formas e processos de liderança, de engagement, de cultura, de reconhecimento do mérito, de partilha, de comunicação, de vivência e convivência de valores. Há que agir diferente porque a viagem é diferente e isso faz mudar tudo o que é mais importante nessa viagem: o destino e o viajante.